O sequestro do menino Carlinhos

Foto CADA MINUTO

Rio de Janeiro, 2 de agosto de 1973 – Naquela noite repleta de trovoadas e chuva, uma tragédia abalou a tranquila residência da família Costa, localizada na zona sul do Rio de Janeiro. Carlos Ramires da Costa, um menino de 10 anos carinhosamente chamado de Carlinhos, foi sequestrado, deixando sua família em desespero e uma comunidade inteira perplexa diante de um crime até então incomum na cidade maravilhosa.

A cena do crime era a residência número 1.606 da Rua Alice, onde Carlinhos desfrutava de uma noite em família assistindo à novela “Cavalo de Aço”, na Rede Globo. Vestindo apenas uma bermuda azul-marinho, o menino estava acompanhado de sua mãe, dona Maria da Conceição Ramirez, e quatro de seus seis irmãos. Vera Lúcia, de 15 anos, Carmen, de 14, Eduardo, de 13, e João, de 11, compartilhavam aquele momento quando a tragédia se abateu sobre eles. O pai de Carlinhos, João, chegou pouco depois, acompanhado dos outros dois irmãos do menino, Luciana, de 3 anos, e Roberto, de 8.

O sequestrador, descrito como um jovem negro com uma blusa vermelha e cabelo estilo black power, invadiu a casa quando a luz foi repentinamente cortada. Ele exigiu “a criança menor que estava em casa” e trancou a mãe e os irmãos de Carlinhos no banheiro. Antes de fugir, deixou um bilhete com erros de português, escrito em letra de forma, pedindo um resgate de Cr$ 100 mil a ser pago até o dia 4 de agosto. O pai de Carlinhos, acompanhado de um funcionário, perseguiu o sequestrador até um matagal próximo, mas não conseguiu resgatar seu filho. O sequestro foi imediatamente comunicado à polícia.

As autoridades cariocas, sem experiência prévia em casos de sequestro, enfrentaram dificuldades ao lidar com a situação. No entanto, no dia e local marcados para o pagamento do resgate, uma grande operação policial foi montada, com policiais disfarçados de civis, pipoqueiros e vendedores de sorvete ocupando a região. A bolsa contendo o dinheiro foi deixada no local indicado, mas Carlinhos nunca foi devolvido. As investigações conduziram a várias suspeitas, incluindo os diretores de uma clínica próxima à residência da família Costa. Um dos proprietários da clínica, Mário Filizzola, tinha interesse em comprar a casa dos Ramirez da Costa, o que levou a polícia a suspeitar que o sequestro poderia ser uma manobra para pressionar os pais do menino.

Durante as investigações, o marceneiro da clínica, Kleber Ramos, foi preso como suspeito de ter sido contratado para raptar o menino, mas foi libertado por falta de provas. Outros funcionários também foram interrogados, mas a polícia não encontrou evidências que comprovassem o envolvimento do médico Mário Filizzola. No entanto, surgiram inconsistências no caso que levantaram suspeitas. Os três cães da família não reagiram quando o sequestrador entrou na casa, a porta não apresentava sinais de arrombamento e a caixa de luz onde os fios foram cortados não estava em um local óbvio, sugerindo que o invasor poderia ser alguém conhecido.

Para complicar ainda mais a situação, as investigações revelaram que João Costa, pai de Carlinhos, estava enfrentando graves dificuldades financeiras e precisava desesperadamente de dinheiro. Quando a comunidade se mobilizou para arrecadar fundos para o resgate, a quantia ultrapassou os Cr$ 300 mil, três vezes o valor exigido, mas o destino desse dinheiro permanece desconhecido.

Com as circunstâncias nebulosas e os boatos se espalhando, os pais de Carlinhos se tornaram suspeitos do crime, especialmente o pai. Surgiram histórias de que João estaria tendo um caso com sua secretária e que ambos teriam planejado o sequestro. A mãe de Carlinhos, sempre sorridente diante da imprensa, despertou suspeitas entre os jornalistas. Rumores circularam de que ela estaria envolvida com um pai de santo local, que teria sequestrado o menino e o levado para o Maranhão.

Em janeiro de 1974, aproximadamente seis meses após o desaparecimento de Carlinhos, um homem chamado Adilson de Oliveira se apresentou à polícia, assumindo a autoria do crime e implicando João Costa como mandante. O pai de Carlinhos chegou a ser preso, mas foi liberado no dia seguinte graças a um habeas corpus. Mais tarde, descobriu-se que a confissão de Adilson era falsa e, diante da falta de provas, o caso foi encerrado. As pressões e suspeitas levaram os pais de Carlinhos a se divorciar.

No entanto, em 1977, o detetive particular Bechara Jalkh, contratado para investigar o caso paralelamente à polícia, ressuscitou as acusações de que João Costa teria forjado o sequestro de Carlinhos. Segundo Jalkh, João, completamente falido, teria confabulado um plano elaborado para obter dinheiro. O caso foi reaberto pela polícia, e análises no bilhete deixado pelo sequestrador apontaram para Silvio Pereira, funcionário de João, como o autor. Curiosamente, Vera Lúcia, a irmã mais velha de Carlinhos, teria reconhecido Silvio no dia do sequestro, mas foi ameaçada pelo pai para que não revelasse nada. Silvio foi condenado a 13 anos de prisão, mas acabou sendo absolvido após um recurso da defesa. A participação de João Ramirez da Costa no sequestro de seu filho nunca foi comprovada pela polícia. João se casou novamente e vive com sua segunda esposa no Rio de Janeiro. Já Maria da Conceição, mãe de Carlinhos, mora em uma quitinete com sua filha mais velha e tem recebido a visita de mais de 10 homens que afirmam ser Carlinhos.

No entanto, testes de DNA revelaram que nenhum deles é seu filho. Um desses homens continua a fazer visitas esporádicas a Maria da Conceição até hoje. Os pais de Carlinhos vivem com dificuldades financeiras, e ninguém sabe o que aconteceu com o dinheiro do resgate. Em janeiro de 1974, foi publicada a terrível notícia de que o garoto teria sido afogado no mar a pedido do pai, três meses após o sequestro, mas seu corpo nunca foi encontrado.

O inquérito policial oficial sobre o sequestro de Carlinhos só foi aberto em 26 de março de 1977, três anos e meio após o incidente. Antes disso, apenas um procedimento investigativo havia sido realizado. Os delegados Jorge Gomes Sobrinho e Rogério Marchezini, da Delegacia de Roubos e Furtos, foram designados para o caso. Eles ouviram todos os suspeitos, além de João Mello e seus ex-funcionários. A conclusão do inquérito foi divulgada em 25 de novembro de 1977.

Quatro anos após o sequestro, Vera Lúcia relatou à polícia que reconheceu Silvio Azevedo Pereira, funcionário do laboratório de seu pai, como o sequestrador. No dia do crime, Vera Lúcia afirmou ter sentido um cheiro forte, semelhante ao perfume usado por Silvio. No entanto, devido à falta de provas concretas, o caso permanece sem resolução.

O sequestro de Carlinhos continua sendo um mistério intrigante e trágico, marcado por suspeitas e reviravoltas. As dúvidas em torno do envolvimento dos pais, a falta de evidências conclusivas e a incerteza sobre o destino do menino deixam um vazio doloroso na história dessa família e na memória da cidade. Até hoje, o paradeiro de Carlinhos permanece desconhecido, mantendo viva a esperança de um dia descobrir a verdade por trás desse crime que abalou o Rio de Janeiro.

Por Jorge Alves

Compartilhe:

Notícias relacionadas